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segunda-feira, 28 de novembro de 2005

N'de rendápe aju

Por Marcelino Nunes de Oliveira

A história é de como um trágico acontecimento converte em sucesso uma das imortais guarânias de Asunción Flores e Manuel Ortiz Guerrero. Foi em 1925, no verão tal vez. A noite cheirava a jasmim, luzes quase apagando na pequena cidade interiorana de Luque.

Uma serenata espalhava suas canções pela janela de uma linda mulher. Barboza, um violeiro (os paraguaios chamam de guitarrista), cantor de renome e boêmio conhecido, era quem rompia o silêncio daquele amanhecer. De repente, ouviram-se estampidos, uns disparos de revólver.

O homem cai abraçado ao seu a instrumento. Depois das músicas, corridas, gritos e inúteis pedidos de auxílio dos vizinhos solidários. O homem ferido e caído ao chão disse apenas uma frase: "N'de rendápe aju” (só vim te ver) . Depois se cala para sempre.

O autor dos disparos poderia ser um pai ciumento ao extremo ou então um marido cuja existência o artista desconhecia. O certo é que no solo jazia estendido o corpo de alguém que morreu cantando. As pessoas se juntavam com velas e terços, dando o último adeus.

José Asunción Flores escutou o relato desse acontecimento e colocou como título as últimas palavras do infortunado boêmio. Compôs, ano depois, uma música com estrutura de poema sinfônico, descrevendo em notas o episódio. Tanto é assim que em algumas gravações se ouve ao fundo o ruído da confusão que vitimou o boêmio.

O próprio maestro José Asunción Flores, no seu livro “Pássaro y Lírico”, de Armando Almada Roche, se referia à confusão que causara aquelas orações. “Vieram três padres paraguaios me visitar e me pediram para esclarecer a dúvida que tinham sobre a música N´de rendápe aju: se era correta a informação de que ela estava dedicada à “Virgen de Caacupé”.

Eu lhes perguntei em que eles se baseavam para formar tal juízo? Responderam-me que na música se escutava nitidamente uma espécie de oração à “Virgen”, conta ainda o criador da guarânia. Respondeu que as orações eram lenta e harmoniosamente dirigida sim, à mãe do Criador”.

Em algumas versões, ao final se percebe também o eco dos disparos que levaram à morte o seresteiro.”Os sons graves posteriores aos dos instrumentos traduziam literalmente o gemido do cantor nos seus últimos suspiros”, completa Maurício Cardozo Ocampo, em seu livro “Mis bodas de oro com o folclore paraguaio”.

Você se perguntará, com justa razão, como Manuel Ortiz Guerrero fez parte da história desta música? Cardozo Ocampo, no texto já citado, menciona ainda o testemunho de Leopoldo Ramos Giménez, íntimo amigo de Manú, que a poesia N´de rendápe aju foi criada em 1913/1914.

Que sua destinatária seria a guaireña Iluminada Arias, cuja janela ainda se preserva intacta até os dias hoje na cidade de Villarrica, no Paraguai. É impossível explicar como se deu coincidência entre as obras de Flores e Ortiz Guerrero. Em todo caso, se pode atribuir esse mistério à arte, que tem o poder de unir! E que para a lógica não fica muito claro.

“Os versos de Ortiz Guerrero são usados nada mais que perfumar essas serenatas”, aponta Flores na obra já mencionada, de Almada Roche, com o qual reforça o instrumental da sua criação. Flores acredita que compôs a obra em 1933 ou 1934, em Buenos Aires.

Cardozo Ocampo, entretanto, sustenta que a criou em 1928, em Assunção capital do Paraguai. Mais além do seu tempo, sem dúvida nenhuma, N´de rendápe aju é uma canção que não pode faltar nas serenatas. A intensidade do poema, junto com sua beleza melódica, se converteu numa magistral criação da cultura popular paraguaia.

N'DE RENDÁPE AJU

Mombyry asyetégui aju ne rendápe nemomorasêgui,ymaiteguive reiko che py'ápe che esperanzami. Mborayhu ha y'uhéigui amanombotáma ko'ápe aguahêvo, tañesúna ndéve ha nde poguiveipa chemboy'umi.

Yvoty nga'u hína ko che rekove, aipo'o haguã rojapi pýpe.
He'íva nderehe los karia'ykuéra pe imandu'árupi,kuña nde rorýva música porãicha naimbojojahái. Che katu ha'éva cada ka'aru nderehe apensárõ, ikatuva'erã nipo che ichugui añembyesarái.


Che azucena blanca ryakuãvurei, eju che azucena torohetûmi.
Ku clavel potýicha ne porãitéva repukavymírõ,ne porãitevéva el alba potýgui, che esperanzami. Na tañemondéna jazmin memetégui che rayhuhaguãicha, ha ku che keguýpe che azucena blanca che añuami.


Yvoty nga'u hína ko che rekove, aipo'o haguã rojapi pýpe. Yvága hovýicha nde resa iporãva che tormentorã nga, nde juru ojogua ku ypotî kurúrõ rosa pytãite, ndéicha avei porãva ne hermana vaerã niko umi estrellakuéra, nderechasetéguinte moimbijoáva cada pyhare.


Marcelino Nunes de Oliveira é bacharel em Direito, pós-graduando em Metodologia do Ensino Superior, vereador em Ponta Porã e estudioso da cultura fronteiriça.

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